Cultura

Não, não é um caso isolado

Não, não é um caso isolado

O aumento exponencial de ataques racistas na internet revela que o mundo virtual vem se tornando cada vez mais um palanque para a expressão do ódio, do puro racismo e para o desejo de subalternizar pessoas negras no Brasil e no mundo. Segundo os alarmantes números da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, de 2006 a 2015 houve uma taxa de aumento de 115% nos casos de racismo virtual. E os números não param de crescer. De acordo com o relatório da empresa estadunidense Norton Cyber Security, em 2017 o Brasil foi o segundo país do globo com maior número de crimes cibernéticos denunciados, entre os quais o racismo é um dos mais expressivos.

Entre os casos mais famosos podemos destacar os ataques racistas sofridos pela atriz Taís Araújo; Titi, filha de Tiago Gagliasso e Giovanna Ewbank; o cantor Seu Jorge; a funkeira MC Carol; a cantora Preta Gil; a jornalista Maju Coutinho; o jogador de futebol Fernandinho; a escritora Djamila Ribeiro; a pensadora e ativista Carla Akotirene e o youtuber e historiador Jones Manoel. Há pouco tempo, a cantora Ludmilla decidiu apagar suas redes sociais devido à violência crescente das injúrias raciais dirigidas a ela. Aqui em Pará de Minas foi a vez de Rony Morais, artista cênico e professor, sofrer agressões racistas e homofóbicas nas redes sociais. 

Além de sua trajetória artística e docente, Rony se posiciona politicamente. Em seus programas, entrevistas, lives e postagens nas redes sociais há sempre um olhar crítico para com as mazelas da cidade, para as desigualdades históricas do país e para as muitas formas de opressão de gênero, raça ou orientação sexual. De uns tempos para cá, a sua atuação se tornou ainda mais contundente, colocando, em muitas ocasiões, o dedo na ferida de uma sociedade injusta. E isso vem incomodando determinados grupos de Pará de Minas. Sim! De Pará de Minas. Os ataques virtuais sofridos por Rony Morais desfazem a imagem tão ingênua e frágil de que não existem grupos assumidamente racistas, machistas e LGBTTfóbicos nesta cidade.

É como se estivéssemos vivendo em um paraíso em que todos fossem integralmente respeitados. Estas e tantas outras formas de opressão e descriminação existem fartamente em Pará de Minas. O ataque virtual só enfatizou um problema que já ocorre fora das redes. Esta cidade terá de lidar com o fato de que é, assim como todo o Brasil, estruturada pelo racismo e pela desigualdade racial também. Embora muitas pessoas tenham expressado sua solidariedade a Rony Morais, penso que alguns argumentos utilizados para defender o artista são equivocados. Primeiro, o racismo não é um caso isolado ou um ato estritamente individual.

Concordo com o pensador Sílvio Almeida que em sua magistral obra O que é Racismo Estrutural? afirma que a própria estrutura de nossa sociedade é racista. Ou seja, as relações políticas, econômicas, jurídicas, familiares, etc produzem um sistema social por meio do qual, o racismo se reproduz e organiza o funcionamento da sociedade como um todo. Atitudes individuais, de caráter racista ocorrem no seio de um mundo em que o racismo não é a exceção, mas a regra. Portanto, o ataque virtual sofrido por Rony Morais deve ser lido como uma expressão violenta de uma sociedade também violenta. E estamos falando de Pará de Minas também.  

Em segundo lugar, dizer que “somos todos iguais”, “racismo é coisa do passado”, “diga não ao preconceito” ou até mesmo a crença de que leis mais duras vão resolver integralmente a questão racial, entre outras tantas frases de efeito claramente moralistas demonstram uma fragilidade na compreensão do racismo brasileiro. Mesmo que os indivíduos possam ser responsabilizados juridicamente por seus atos, será necessário transformações profundas e radicais nas nossas relações sociais, políticas e econômicas para destruir o sistema racista.  Creio que é necessário qualificar mais os debates raciais aqui em nossa cidade. 

Finalmente, eu diria que nosso atual contexto histórico e político deixa as opressões contra grupos sistematicamente marginalizados ainda mais agudas. Um presidente que não apenas subestima a violência racial, sexual, de gênero como também as pratica, autoriza e legitima. Rony Morais não foi atacado somente por seus posicionamentos políticos, mas por ser um homem negro que questiona muitas desigualdades desta cidade e deste país. País este que tem um prazer inegável em destruir publicamente figuras negras. Portanto, querido Rony, por mais que haja divergências político-ideológicas entre nós, sempre estivemos (e estaremos) juntos contra todo e qualquer ato que tente diminuir a humanidade de alguém.  Não iremos nos calar.

Texto enviado pelo leitor Guilherme Diniz

Foto: Reprodução da Internet

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